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Portugal? País simples, de gente simples, não muito esperta, não muito coisa nenhuma.
Augusto é brasileiro, paulista. Augusto tem uma certa ideia de Portugal. No caso dele, ter certas ideias é uma forma de vida. Augusto é especialista em branding de países. Marcas. Marcas de países. Augusto vive e trabalha em Londres há anos, presume-se que muito bem. Os nossos "irmãos" sabem tudo sobre branding. Veja-se o branding do Brasil, um país onde existe miséria, corrupção, desigualdade e violência assassina. Augusto: o nosso branding é bom, o Brasil é associado a alegria, futebol, samba, carnaval, beleza, ecologia, paisagem. E dinheiro, penso eu. É bom ser um país rico, nisto de branding. Todo a gente prefere um rico decadente e drogado, corrompido e vicioso, a um pobre lavadinho e com o chapéu, respeitosamente na mão.
Pergunto ao augusto Augusto como é, neste momento angustiado, a brand Portugal. Oh, Augusto rola os olhos. Má marca. Uma comiseração sai-lhe dos lábios. Portugal? Ora bem, país simples, de gente simples, não muito esperta, não muito coisa nenhuma, humilde, subserviente, lenta, pouco ativa. Falida. E desigual. O Brasil também é desigual, muito mais desigual, mas o brand do Brasil é ótimo. Já o sabemos. Como inverter esta tendência? Um país pobre, simplório, etc., segundo o génio brasileiro de branding. Talvez Portugal possa jogar no Euromilhões. Para ricos não vamos.
Depois deste interlúdio sobre o país como marca, abro o "Financial Times" e leio uma carta de uma brasileira, a sra.Viridiana Monticelli, que escreve de Madrid. É uma brasileira que trabalhou nos mercados de capitais e dívida da "Ibéria", muitos anos. O texto do "FT" a dizer que o Brasil devia anexar Portugal faz todo o sentido do ponto de vista económico (diz ela) mas é capaz de tocar numa corda sensível dos portugueses. "Porque lhes resta pouco do que foi em tempos Portugal de um ponto de vista cultural". "A televisão brasileira transformou a língua portuguesa tornando-a irreconhecível e criando uma divisão geracional, o equivalente de miúdos em Londres a falar com um sotaque texano. Digerimos a influência cultural deles e cuspimo-la de um modo muito (latino) politicamente incorreto: os portugueses são os primos inferiores e foram sempre objeto de gracejos rudes no Brasil. Penso que nos EUA seria o equivalente de gracejos sobre polacos, em Inglaterra sobre os irlandeses e escoceses, na França sobre os belgas. No Brasil, se queremos dizer que alguém é lento, chamamos-lhe Manuel, o nome mais típico em Portugal. Se não falam português não conseguem imaginar a escala de humilhação que os brasileiros infligem diariamente ao orgulho nacional português, por maldade e sem descanso. É um desporto nacional, parte do ser brasileiro. Apesar de a maioria dos portugueses gracejar durante anos sobre a vossa sugestão ser o único caminho (a tal anexação), oficializá-la seria muito doloroso".
Eis como uma pessoa esperta, esperta ao ponto de trabalhar em mercados financeiros, gente espertíssima, não hesita em considerar seriamente a proposta do "FT" da anexação. Eis como uma pessoa esperta não hesita em pensar como uma pessoa estúpida. A senhora não percebeu que os portugueses gostam de dizer mal dos portugueses mas irritam-se quando outros dizem mal deles (os judeus também). A senhora também não percebeu Portugal. Embora os próprios portugueses tenham dificuldade nesse campo.
Este tipo de ideias feitas, nenhuma boa, é reforçado pela imagem que Portugal tem agora. A de um país desgraçado, desgovernado, sem competência nem currículo. E, no meio da indignidade, aquele doutoramento honoris causa a Lula tresanda a humilhação suplementar. Pedir dinheiro em troca de cátedra; embora o dinheiro não venha, disse a dona Dilma. Augusto, q'cê acha dá Dilma? E ele, sério: "Dilma é uma intelectual". Vocês contratavam o Augusto? Eu não. O Brasil é isto, diria uma Viridiana lusitana, um país de analfabetos simplórios que acham Dilma intelectual. Se a Dilma é uma intelectual eu sou o Fernando Pessoa. Mais o Camões.
Aqui chegámos. Convencidos de que o resto do mundo, e os brasileiros, se interessam por nós. Um político contrataria a estelar empresa do Augusto para fazer o rebranding da marca Portugal; eu tenho outra certeza. O Augusto está a ver se saca um contrato com Portugal. Tal como outros brasileiros antes dele, que andaram por aí a sacar o seu (isto é o belo português de telenovela) e nos deixaram quando a teta secou. E a dona Viridiana? Só o provincianismo português tolera que se repitam estas coisas e se levem a sério estes dislates. Na verdade, foi uma brasileira que escreveu uma carta ao "FT". Nem um português, um só, sentiu que devia escrever uma carta ao jornal sobre o texto estúpido que publicou. O rebranding começa aqui. A decência também.
Texto: Clara Ferreira Alves - Revista Única/PT
Fotografia: Enéas Bispo de Oliveira
Eis como uma pessoa esperta, esperta ao ponto de trabalhar em mercados financeiros, gente espertíssima, não hesita em considerar seriamente a proposta do "FT" da anexação. Eis como uma pessoa esperta não hesita em pensar como uma pessoa estúpida. A senhora não percebeu que os portugueses gostam de dizer mal dos portugueses mas irritam-se quando outros dizem mal deles (os judeus também). A senhora também não percebeu Portugal. Embora os próprios portugueses tenham dificuldade nesse campo.
Este tipo de ideias feitas, nenhuma boa, é reforçado pela imagem que Portugal tem agora. A de um país desgraçado, desgovernado, sem competência nem currículo. E, no meio da indignidade, aquele doutoramento honoris causa a Lula tresanda a humilhação suplementar. Pedir dinheiro em troca de cátedra; embora o dinheiro não venha, disse a dona Dilma. Augusto, q'cê acha dá Dilma? E ele, sério: "Dilma é uma intelectual". Vocês contratavam o Augusto? Eu não. O Brasil é isto, diria uma Viridiana lusitana, um país de analfabetos simplórios que acham Dilma intelectual. Se a Dilma é uma intelectual eu sou o Fernando Pessoa. Mais o Camões.
Aqui chegámos. Convencidos de que o resto do mundo, e os brasileiros, se interessam por nós. Um político contrataria a estelar empresa do Augusto para fazer o rebranding da marca Portugal; eu tenho outra certeza. O Augusto está a ver se saca um contrato com Portugal. Tal como outros brasileiros antes dele, que andaram por aí a sacar o seu (isto é o belo português de telenovela) e nos deixaram quando a teta secou. E a dona Viridiana? Só o provincianismo português tolera que se repitam estas coisas e se levem a sério estes dislates. Na verdade, foi uma brasileira que escreveu uma carta ao "FT". Nem um português, um só, sentiu que devia escrever uma carta ao jornal sobre o texto estúpido que publicou. O rebranding começa aqui. A decência também.
Texto: Clara Ferreira Alves - Revista Única/PT
Fotografia: Enéas Bispo de Oliveira