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segunda-feira, dezembro 21, 2009

Desconhecido, mas não por muito tempo!


"Uma cativante paisagem,
excelente comida e um estilo
de vida a baixo custo perdido
no tempo conquistaram
os americanos."


Em 2002, Doug Smith andava melancólico. A Korakia Pensione, o seu hotel de charme de estilo mediterrânico, em Palm Sprigs, Califórnia, que atraiu celebridades como Annie Leibovitz, Gore Vidal e Brice Marden, já tinha entrado na rotina. Smith procurava um edifício grandioso para restaurar, num lugar exótico, onde se pudesse instalar numa vida rústica e tranquila, com a sua nova esposa, Josie. Vasculhou listas de empresas imobiliárias à procura de «haciendas» no Iucatão e casas de marinheiros na ilha grega de Simi. De repente, num Verão em que andava pela Extremadura espanhola, entrou pelo Alto Alentejo, uma região de Portugal de que nunca tinha ouvido falar, e deu por si cativado pela paisagem, pela excelente comida, por um estilo de vida perdido no tempo e pelo custo de vida relativamente baixo.
Após quatro dias a investigar celeiros e casas rurais em ruínas, comprou uma exploração agrícola do século XVIII, com 52 hectares, perto da vila de Campo Maior. «Comparado com Espanha, este lugar é ainda mais adorável, bonito e aproximadamente um terço mais barato», confessa Smith. «Velhotes de calças caneladas, caçadeiras e chapéu saúdam os desconhecidos à passagem.» Nos últimos sete anos, Smith, que entretanto vendeu a Korakia Pensione, assistiu ao desabrochar do Alto Alentejo, uma província fronteiriça, no sudeste de Portugal, coberta de sobreiros e oliveiras, em vias de se transformar numa região remota em voga. O nome deriva de «além Tejo», para lá do rio que desagua em Lisboa. Uma nova auto-estrada cruza o país para leste, a partir da capital e, numa hora, está-se a admirar vinhas, castelos e cidades caiadas, dispersos por planícies que se desenrolam suavemente sob o olhar.
Um conjunto de sofisticados investidores internacionais começou a adquirir propriedades na zona, transformando o Alto Alentejo no seu pequeno espaço de lazer europeu. Agora, para além de edifícios elegantes, existe uma profusão de hotéis de charme(turismo rural), caves de vinhos e restaurantes descontraídos, mas sofisticados. Até há pouco, o Alto Alentejo era propriedade de antigas famílias endinheiradas de Lisboa, interessadas em produzir vinho, criar cavalos da raça local, Alter Real, e usufruir da sua interpretação de refúgio no interior. Mas recebem muito bem os recém-chegados. «Queremos divulgar ao mundo esta parte de Portugal», diz João Pinto Ribeiro, presidente do Palácio do Correio-Velho, uma das principais leiloeiras de arte de Portugal, que possuiu uma exploração agrícola na região há mais de 20 anos. «É um lugar pobre e podia realmente receber mais visitantes.»
Conheceu Doug e Josie Smith quando seguia a cavalo por uma estrada secundária que liga as casas de ambos, e gerou-se uma amizade em torno dos principais vícios do Alentejo: comida e vinho. Uma noite bem passada é uma jantarada em casa de alguém. Como na Provença ou na Toscana, comida e vinho unem família e gente de fora. Numa noite morna de Julho, Pinto Ribeiro serviu uma das suas especialidades, bacalhau, trespassando com uma longa faca o que parecia ser um maciço de sal grosso, cozinhado num tabuleiro de barro.
Com cuidado, utilizou o lado liso da lâmina para retirar um pedaço da capa de sal sem que o sabor se espalhasse pelo enorme bacalhau por baixo dela. «Se fizer isso como deve ser, pode até precisar de acrescentar um pedaço de sal para dar sabor», comentou. O peixe foi o prato principal do jantar, que decorreu à beira da piscina, com vista sobre a barragem do Caia, um ponto de referência para os observadores de pássaros. Os convidados incluíam os Smith, uma família de proprietários locais, a esposa, Ana, o irmão dele, José, fotógrafo, e um cirurgião de Louisiana que estava de visita.
Durante o dia, a melhor maneira de visitar a região é de automóvel. Comece por Estremoz, uma das principais cidades do Alto Alentejo, com uma população de 15 mil habitantes. Outrora uma das sedes do reinado de D.Dinis, no século XIV, Estremoz permanece imponente apesar de aparentemente pouco habitada. As ruas e os edifícios são feitos de mármore, que dá um efeito global de brancura. Aos sábados, a principal praça da cidade, o Rossio do Marquês de Pombal, ganha vida num mercado que dura toda a manhã, onde agricultores levam queijo fresco, vinho, artesanato local e velharias para vender. As ruas e as escadarias estreitas conduzem às muralhas em forma de estrela que defendiam o castelo.
No centro da cerca muralhada, um palácio do século XVIII é um dos melhores hotéis da região, a Pousada Rainha Santa Isabel. O hotel, como muitas pousadas(nome genérico de uma cadeia de hotelaria de gama alta instalada em edifícios históricos com apoio do Governo), é a súmula do luxo anacrónico. Imagine-se o Plaza de Nova Iorque ou o Ritz de Paris em, digamos, 1984 e começa-se a ter uma ideia. Os empregados, vestidos de «smoking», servem bebidas aos hóspedes, no terraço que domina a cidade. Para um ambiente mais moderno, que atrai a melhor sociedade de Lisboa , vá até à descurada vila do Crato, onde o Mosteiro de Flor da Rosa integra arte contemporânea e uma decoração exuberante num mosteiro do século XIV, transformando em pousada.
Não faltam locais históricos no Alto Alentejo e um dos mais bonitos é Marvão, que alberga casas restauradas, caiadas e um castelo construido no século IX por Ibn Marwan, como fortificação mourisca. Outro destaque é a Capela dos Ossos, de mármore e calcário, construída em 1766, com floreados neo.góticos, na buliçosa vila de Campo Maior. O interior da capela - uma versão menor da Capela dos Ossos de Évora - está forrada de ossadas humanas, com crânios e dois esqueletos completos.
O Alto Alentejo apresenta diversos tesouros naturais. Em particular, a barragem de Caia, de modestas proporções, que parece um oásis no meio de uma savana sariana, com montes de vegetação silvestre e água doce imaculada, sem barcos. A albufeira, em cujas margens fica a propriedade de Pinto Ribeiro, é um refúgio para pássaros raros como o tartaranhão-caçador, a abetarda e a águia imperial espanhola.
Mas para os epicuristas que se vêm reunindo no Alentejo nos últimos anos, o supra-sumo da região é a sua gastronomia. Os elementos básicos são o trigo, o azeite, a carne de porco e determinados peixes, como o bacalhau, que os habitantes fritam, cozem e trabalham com alho e ervas aromáticas, de várias maneiras sublimes. O borrego e o pato fazem aparições luxuriantes. Os queijos aromáticos variam do rijo Nisa com travo de noz ao cremoso e oloroso Queijo de Serpa. Os vinhos regionais são sofisticados e interessantes, dos tintos robustos da Quinta do Carmo, co-propriedade do Domaines Barons de Rothschild (Lafite), a vinhos mais leves, feitos da casta local trincadeira.
Muitos dos encantos do Alto Alentejo são servidos sem complicações nem exibicionismo. Tudo pode mudar agora que, para além da nova auto-estrada que liga à capital, se espera que, em 2012, um comboio de alta velocidade entre Madrid e Lisboa entre em funcionamento, com paragem em Elvas, tornando o Alto Alentejo ainda mais acessível aos turistas e aos compradores de casas de fim-de-semana de todo o sudeste europeu. Por agora, é um lugar acessível, barato e amável para os visitantes. «É a Toscana de há 30 anos», remata Doug Smith.

Texto: Robert Golf
Jornal: The New York Times - Nova Iorque
Courrier Internacional
Foto: Enéas Bispo de Oliveira