Lisboa despertava sob a luz dourada que escorria pelas fachadas como mel derretido. Em uma manhã de primavera, o velho elétrico 28 gemia nos trilhos, contando os segredos da cidade. Na parada da Rua da Conceição, ela esperava. Tinha os cabelos presos de qualquer jeito, um livro nas mãos e os olhos inquietos, como se buscassem algo além da paisagem.
Ele subiu na parada seguinte, com o jornal dobrado e o café ainda quente em um copo de papel. Quando os olhares se cruzaram, não houve trilha sonora nem câmera lenta. Apenas um silêncio cúmplice, como se Lisboa tivesse prendido a respiração por um instante.
O 28 serpenteava por Alfama, passava pela Sé, subia a ladeira da Graça, e dentro dele, o mundo parecia suspenso. Ele ofereceu um sorriso tímido. Ela respondeu com um olhar curioso. Em uma curva, o bonde balançou, e seus ombros se tocaram. "Desculpa", ele murmurou. "Foi Lisboa que quis", ela disse, com um sorriso que poderia acender o Miradouro inteiro.
Conversaram sobre a poesia dos livros, sobre o cheiro do pão fresco das padarias ao amanhecer e o tilintar do bonde, que parecia o coração da cidade. Descobriram que ambos gostavam de fado, mas preferiam os cantores que choravam baixinho. Que tinham medo de altura, mas amavam os miradouros. Pareciam íntimos um do outro, mesmo sem nunca terem pisado juntos nas calçadas portuguesas.
Quando o bonde chegou ao fim da linha, em Martim Moniz, os dois hesitaram. "Quer descer comigo?", ele perguntou. "Só se for para subir outra vez", ela respondeu, e o elétrico partiu, carregando o eco de uma história que a cidade ainda estava prestes a escrever
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