Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cotidiano que seja, que o absurdo, mesmo em pequeninas doses, defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!
Se é verdade a definição faca afia faca (...) então que a faca do absurdo venha afiar a faca da nossa insensível vontade, venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado e o dia a dia será nosso e diferente.
Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não queremos ser um povo feliz!
Nós queremos a maleita do suíno, a noiva que vê fugir o noivo, a mulher que vê fugir o marido, o órfão que é entregue à caridade pública, o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma.
Queremos ser o pai desempregado que não tem presentes de Natal para os seus.
Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia, um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.
Alexandre O'Neill, o 'Princípio da Utopia'
Foto.: Enéas Bispo de Oliveira
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