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Foto: Enéas Bispo de Oliveira |
A mecanização aumenta o lucro, exceto para quem tenha perdido o seu emprego a favor de uma máquina.
Tenho ouvido argumentos keynesianos e acho-os enfadonhos. Nos EUA, no Reino Unido e na Suécia, os keynesianos criticam a suprema estupidez da agenda da austeridade. Mas os problemas são mais profundos do que admitem. É certo que reduzir défices faz o dinheiro circular apenas entre financeiros e detentores estrangeiros de dívidas (particulares ou Estados), sem garantir um estímulo relevante. É a parte "não errada" da lógica keynesiana. Ao mesmo tempo, quem não cria riqueza fica sem meios para pagar dívidas substanciais. Teoricamente, espera-se que um estímulo crie riqueza. Mas não basta.
Primeiro, a mecanização destruiu muitos postos de trabalho. Faz crescer o lucro, mas não para quem perde o emprego para uma máquina. Fica melhor, na "nova economia", aquele que trabalha numa firma que, aproveitando os benefícios da mecanização, conserva e recicla o trabalhador. O estímulo keynesiano não resolve, necessariamente, este problema fundamental de mobilidade descendente ou descartabilidade econômica.
Em segundo lugar, alguns keynesianos têm uma visão ingênua, distinguindo as firmas pequenas das firmas grandes, mas não as firmas domésticas da multinacionais. Ora, parte do dinheiro do último estímulo saiu dos EUA para as mãos de empresas estrangeiras. Logo, não basta o Governo ganhar dinheiro para fomentar emprego. Estimular sem criar ou alargar as plataformas de produção nacional é desperdiçar oportunidades. Em terceiro lugar, alguns keynesianos acreditam que a procura cria a sua oferta. Pensam que, se o Governo gastar o suficiente, florescerão empresas. É verdade, em parte, mas não na economia mais sofisticada, a montante. Na Grande Depressão tivemos uma crise de procura insuficiente. Agora temos uma crise de procura e oferta interna insuficientes.
Os keynesianos não percebem que, nos EUA ou no Reino Unido, a oferta interna de muitas categorias de bens e serviços criou uma desvantagem competitiva devido a anos de subinvestimentos e apoio estatal fracassado. Ou, caso percebam, não percebem como se pode pagá-la sem empréstimos. Por fim, sobrevalorizam as vantagens de um estímulo que se limite a colocar funcionários dos serviços a trabalhar, em vez de reindustrializar. É certo que é melhor pagar o salário a um professor do que pagar-lhe um subsídio desemprego. Há, porém, empregos mais e menos produtivo no que toca à criação de riqueza e receita fiscal que servirá para pagar salários e ainda mais professores.
Vários marxistas distinguem trabalho "produtivo" e "não produtivo". Cobrar impostos sobre os salários de uma escola garante potencialmente menos receita do que taxar o rendimento de um parque eólico, fábrica ou outro fornecedor de bens ou serviços industriais. Os ganhos produtivos da indústria ultrapassam os dos serviços. Há que expandir a indústria para eliminar os défices comerciais. Em estados como o Michigan, afetados por tremendas quebras na produção, o despedimento de professores é epidêmico.
Keynesianos como Paul Krugman apresentam argumentos mais diferenciados, que combinam maior regulação, apoio ao movimento Occupy e outras propostas. Mas deixam fora realidades básicas como: a) os gastos militares insuflados que roubam oportunidades de estimular empresas civis e financiar a reindustrialização; b) a distinção entre empresas nacionais e multinacionais; c) a necessidade de coordenação e planificação à antiga ou de um Estado desenvolvimentista que promova modernização industrial e competitividade; e d) as vantagens de uma economia mais democrática. A ideia de que um consórcio de pequenas empresas possa tornar-se uma grande cooperativa virtual, que pressione o Estado a realizar reformas estruturais, está para lá da imaginação de muitos economistas e politólogos. Se a Irlanda teve pior desempenho do que a Islândia, foi em parte por ter escolhido a austeridade: a Islândia não é uma Coréia do Sul. Esta tem um Estado que apoia o setor secundário e a competitividade industrial. Investe mais no "New Deal Verde" e pode fazê-lo precisamente por produzir mais. É aqui que a oferta cria a sua procura.
A miopia macroeconômica de muitos keynesianos resulta do patrimônio intelectual da Guerra Fria, da pulverização das ciências sociais, do pós-modernismo e do financiamento empresarial ao ensino superior. A Grande Depressão terá desacreditado economistas institucionais mais radicais, incapazes de competir com a lógica de aumentar a procura numa economia em baixa. Vivemos, contudo, numa economia em que as realidades institucionais limitam a nossa capacidade de produzir oferta que cubra a procura acrescida. Onde iremos buscar o capital político para aumentar a procura, sem criar novas instituições que multipliquem o capital político dos cidadãos?
Texto de: Jonathan M.Feldman, da Universidade de Estocolmo, é um dos principais dinamizadores do site www.globalteachin.com, uma rede de localidades que procura soluções institucionais para as crises econômicas, energéticas e ecológicas.
P.S_Texto publicado na Revista Courrier Internacional/Portugal em Junho de 2012