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domingo, dezembro 09, 2012

*A Maneira de ver a Arte



Girassóis não são ninféias. Ver Arte não se limita às prosaicas e constrangedoras afirmações de pessoas que se desculpam dizendo que não conhecem bem arte mas que gostam de algo – isso ou aquilo - que colocariam nas paredes de suas próprias residências ou ainda no descaso de afirmar que uma criança seria capaz de produzir algo que se vê nas paredes de um Museu de Arte Contemporânea. Arte verdadeira não é essencialmente decoração de ambientes (apesar de poder ser bela e possuir alta potência estetizante, o que não lhe conjura a epifania da beleza como virtude possivel) nem é consolo de lembranças de um passado perdido, povoado de figuras retroativas de cavalos ou paisagens rurais.
Crianças nunca serão capazes de produzir originalmente obras de Miró, de Albers, de Pollock, Dubuffet ou Karel Appel. Por mais que os próprios artistas tenham se apropriado ou se inspirado na espontânea audácia da gestualidade infantil. Arte é coisa mental e se produz a partir de um complexo processo de reflexões, de sensibilidade, de transfiguração inconsciente, de apuro técnico, de amplo domínio dos mecanismos de pesquisa e procura dos métodos de fazer, de tecnologia e da aplicação destes conhecimentos colecionados. Imaginação produz universos imaginários.
André Malraux justificava o investimento na construção e na dimensão do acervo contemporâneo do Beaubourg (Centro Nacional de Arte Contemporânea Georges Pompidou) no Marais, em Paris (por ocasião da remoção do Mercado Les Halles para fora da cidade) para conjurar o conservadorismo e o anacronismo crescente do olhar da sociedade francesa frente à Arte, nos anos sessenta. Uma forma de refrescar o pensamento e recondicionar a maneira de ver a Arte Contemporânea sem o reumatismo de se desejar ver sempre o que se gosta ou o que já está rotulado como aceitável. Narcisismo e conforto fossilizados. Cavalos e girassóis. Passados 40 anos a aposta de Malraux deu certo e o Beaubourg, inicialmente recebido com relutância, revolta e desconforto pelos parisienses hoje ocupa a posição de Museu mais visitado do mundo, superando em interesse, em número de ingressos, pesquisas e estudos o próprio Museu do Louvre. É isso o que justifica a presença das Bienais de São Paulo e do MERCOSUL entre nós. Aprender a ver novamente. São propostas de reflexão e canais de discussão para novas linguagens e para aprimorar os caminhos da Arte. A Arte que precisa melhorar nas suas proposições, no seu acabamento, nas suas montagens que necessitam ser mais profissionais, melhor finalizadas, melhor iluminadas, em locais menos improvisados. Isso requer mais investimentos e menos amadorismo. É preciso ver melhor, com menos preconceito, com mais abertura intelectual, é necessário ser muito mais exigente. As Ninféias de Claude Monet foram concebidas e doadas para um espaço a ser criado após o desaparecimento do pintor. Elas não foram criadas para o mercado de arte. Na síntese absoluta da concentração do pintor com a natureza criada em sua casa-jardim em Giverny, elas estabeleceram uma nova linguagem de iconografias e apontaram um dos caminhos para a abstração no século XX. Ninféias não são cavalos.

*Texto: Alfredo Aquino - Artista plástico, curador de exposições, escritor e editor
Artigo publicado no Usina do Porto - O Jornal da Cultura/Porto Alegre-RS-Brasil
www.usinadoporto.com.br  - Foto: Enéas Bispo de Oliveira

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