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quarta-feira, novembro 16, 2011

Não pode a poesia ser gratuita?


Por José Saramago, em Clarabóia*

““Não pode a poesia ser gratuita? Pode, sem dúvida, e o mal não é nenhum. Mas, o bem? Que bem há na poesia gratuita? A poesia é, talvez, como uma fonte que corre, é como a água que nasce da montanha, simples e natural, gratuita em si mesma. A sede está nos homens, a necessidade está nos homens, e é só porque elas existem que a água deixa de ser desinteressada. Mas será assim a poesia? Nenhum poeta, como nenhum homem, seja ele quem for, é simples e natural. E Pessoa menos que qualquer outro. Quem tiver sede de humanidade não a irá matar nos versos de Fernando Pessoa: será como se bebesse água salgada. E, contudo, que admirável poesia e que fascinação! Gratuita, sim, mas isso que importa se desço ao fundo de mim mesmo e me acho gratuito e inútil? E é contra esta inutilidade – a inutilidade da vida, que só ela o interessa – que Silvestre protesta. A vida deve ser interessada, interessada a toda a hora, projetando-se para lá e para além. Assistir é nada. Presenciar é estar morto. Era o que ele queria dizer. Não importa que se fique cá e aquém, o que é preciso é que a vida se projete, que não seja um simples fluir animal, inconsciente como o fluir da água na fonte. Mas projetar-se como? Projetar-se para onde? Como e para onde, eis o problema que gera mil problemas. Não basta dizer que a vida deve projetar-se. Para o "como" e para o "para onde" encontra-se uma infinidade de respostas. (...) Sem contar que pode a mesma resposta servir a vários, servinda também a cada um outra resposta que não serve aos outros. Afinal, perdi-me no caminho,. Tudo estaria bem se não adivinhasse a existência de outros caminhos, ocupado em afastar os obstáculos do meu. A vida que escolhi é difícil. Aprendi com ela. Está na minha mão deixá-la e começar outra. (...) Esta vida não me basta."

*Este grande escritor, faria anos hoje.
Conheci este texto através da minha amiga Daniela Rodrigues

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