quarta-feira, agosto 24, 2011

ISTO VALE O ESFORÇO?


Texto: Henrique Monteiro*


Capitalismo é a exploração do homem pelo homem; socialismo é precisamente o contrário. Esta velha anedota sublinha que a essência das sociedades é igual porque "o homem é o lobo do homem", como, no séc. XVII, ensinou Hobbes (o filósofo, não o tigre de Calvin). A radical alteração desta natureza humana (ideia comum de várias religiões) foi a esperança dos socialistas que pretendiam "construir o homem novo".
A pedra angular da esquerda era o esforço de cada um ser recompensado, não individualmente, mas socialmente (donde a palavra socialismo). O Estado, redistributivo e igualitário, retribuiria, depois, o indivíduo (ou os seus filhos) com a sociedade justa e perfeita.
A evolução da esquerda no séc. XX, e o seu conúbio com  o relativismo pós-moderno, afastou-a desta espécie de religiosidade que consiste em esperar uma recompensa futura (mesmo pos mortem). O triunfo do hedonismo trouxe a vitória da palavra 'já'. Da sociedade de deveres estritos, na qual se encontravam conservadores cristãos e velhos socialistas, chegou-se à dos direitos alargados. Em lugar de esforço com vista a um futuro melhor, exige-se um presente melhor a ser pago no futuro.
Em suma: os amanhãs que cantam forma substituídos pelos amanhãs que pagam.
A esta deriva juntaram-se os velhos amantes do lucro fácil, além de vigaristas diversos. A financeirização da economia, a ambição desmedida, o culto da inutilidade foram pregados por quem, à falta de melhor, se intitulou liberal ou de direita moderna. A moral e a ética do espírito do capitalismo (que Max Weber classificou como 'protestante') foram arrasadas.
Uma crise que nasceu, acima de tudo, da falta de valores não se combate sem eles.
Infelizmente, um pouco por toda a Europa, e muito por cá(Portugal), os valores estão entre as primeiras vítimas da crise. Parte do atual Governo já mostrou que  dificilmente corta com o pior do passado (certas nomeações do Governo parecem uma absolvição de Sócrates) o que apenas cria mais desmoralização. Esta traz consigo a pior das crises morais: quando as pessoas sérias já não se interrogam sobre quando, como e de que modo terão a recompensa do seu esforço, mas apenas se vale a pena qualquer esforço. Eu quero crer que sim, mas, que diabo!, confesso que é difícil.

*Artigo de opinião publicado no Jornal Expresso do dia 20 de Agosto de 2011.
http://www.expresso.pt/

Fotografia: ENÉAS BISPO DE OLIVEIRA

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