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domingo, abril 01, 2012

Falta tempo!


_Não tenho tempo! _ É sua frase preferida! Bem, se lhe falta tempo fico sem compreender a sua coleção de relógios caros, seus Rolexs, os marcadores de tempo, os medidores de horas, minutos e segundos. Me surpreendi com a incumbência de escrever sobre o tempo, seu tempo, embora eu saiba que estou perdendo o meu tempo; você com a sua limitação de tempo não vai perdê-lo lendo o que tentei definir ou criticar: o seu tempo ou falta dele.
Mas tenho o luxo do tempo, o tempo de ligar o computador e botar para trabalhar alguns neurônios sedentários! Sei que este é um assunto que devia ter permanecido na esfera privada, mas resolvi torná-lo público, é o meu castigo para você.
Você não tem tempo para as flores da primavera, as folhas caídas do outono, o frio e a neve do inverno e curtir o pôr do Sol na praia num dia quente de verão. O seu tempo é sempre escasso! Para você o trânsito está sempre parado, o garçon lento, os prazos curtos, os relatórios estão atrasados e você não quer as coisas para hoje, quer para ontem.
O Rolex tiquetaqueteia no seu pulso, o tempo é curto.
Toma sopa fria, bebe chá frio e comida boa é fast-food!
Você pede rapidez, agilidade, vida americana e não ao estilo francês.
Tique-taque, tique-taque, tique-taque... O relógio da estação mostra que o comboio atrasou, o metro atrasou, o autocarro atrasou. Bandos de  incompetentes, ninguém respeita o seu escasso tempo.
E o Rolex tiquetaqueteia sem parar... horas... minutos... segundo... dias... ele mostra tudo em ornamentos de ouro, pedras preciosas e puros cristais. Você é massacrada pelos vínculos mentais e pelo vácuo da existência universal naquilo que você acumulou das transmissões dos seus anteriores, que lhe asseguraram que para viver melhor nesse planetinha minúsculo seria seria interessante e saudável a medição precisa do tempo. Mas que tempo? O seu tempo, não o meu tempo! Mas qual é o meu tempo? Desculpa, mas o assunto em questão é o seu tempo, não o meu, o meu eu nem discuto, ele ocorre noutra esfera e bem longe da sua.
E você sai correndo assim que clareia o dia, dorme assim que escurece... O comboio passa as dez, depois óh! Você não pode perder um compromisso em detrimento de uma amenidade qualquer, você está perpétuamente presa ao tempo e o seu Rolex preso ao seu braço lembra que você é mais escrava dele do que ele de você.
Eu nada posso fazer, apenas observo os seus passos largos nestas calçadas portuguesas, você sobre os sapatos caros vai de compromisso em compromisso entre gritos, relatórios e paragens para os fasts foods cotidianos.

Texto/Fotografia: Enéas Bispo de Oliveira

2 comentários:

  1. Achei o texto fantástico! Noa é a falta de tempo que é o problema e sim a falta de "dar um tempo". Dar um tempo para ver as pequenas lindas coisas da vida, aproveitar melhor o dia, preocupar-se consigo mesmo, espairecer. Fazer com que a vida nao passe tao rápido e nao disfrutar.
    Ou talvez seja um fruto de evitar pensar nos medos, evitar se sentir inseguro, de se apaixonar e nao ser correspondido. E como desculpa, se arruma muito o que fazer para depois pôr a culpa na "falta de tempo".

    Essa é a sociedade contemporanea.

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    1. Fico feliz que tenha gostado, Índira. Eu não me adapto a essa sociedade contemporânea, na questão tempo. Porque as pessoas querem tudo tão rápido, tão ágil, tão agora se a maioria das coisas são descartáveis? Até mesmo as paixões que você menciona, ou o medo de se apaixonar, nessa história de que a fila anda... Eu não quero que a fila ande, eu quero vivênciar tudo bem devagarinho como a chuvas preguiçosas.

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