Páginas

quarta-feira, outubro 19, 2011

Graco ou como escrever um anúncio para vinhos!

photo by Enéas Bispo de Oliveira

A primeira regra, como em qualquer anúncio, é conhecer bem o que se vai escrever. Assim, aconselha-se a quem desconhece que o nome deste vinho se deve ao senador romano Tibério Graco que andou pelo Alentejo há dois mil anos que faça um google antes de continuar a ler este texto. A todos os outros, sugerimos que se façam à estrada em direcção a Évora.
Ao chegarem à Herdade Sousa da Sé, são muito bem recebidos pelos 42 hectares de Alicante Bouschet, Touriga Franca, Syrah e Petit Verdot de onde sai o Graco pela mão do enólogo Paulo Loureano. Diz o mestre que o Graco tinto, depois da vinificação, estagia em barricas de carvalho francês durante um ano e depois, mais meio ano em garrafa, antes de ser posto à venda. Ora do ponto de vista do utilizador, "carvalho francês" é bom, certo? Então... carvalho francês, romance, calor, paisagem... que tal? "Um tinto sedutor".
A segunda regra é utilizar o vocabulário certo. Não há dúvida, todos os artigos, críticas ou opiniões sobre os vinhos têm um vocabulário vinhateiro muito próprio. Há até sérias suspeitas que é sempre a mesma pessoa que escreve tudo o que há sobre vinhos. Mas a questão que se coloca é se essa pessoa escreveria "Um tinto sedutor"?
Tudo indica que não. Um tinto, não é apenas um tinto. Tem que  ser suave ou intenso, tem que ser frutado ou com travo a chocolate, tem que ter uma textura aveludada ou agressiva, o aroma tem que ser a flores do campo ou frutos vermelhos e se tiver duas características opostas, tanto melhor. Por fim, para descrever o sabor que fica na boca depois de beber, podemos utilizar qualquer recurso desde que seja um grande adjectivo. Bom... que tal "Graco"?  "Um vinho com notas de frutos negros em compota, tabaco e uma agradável tosta de madeira?" Hum... Poucos adjectivos.
"Graco. Um vinho suave com notas de frutos negros em compota, especiarias, tabaco e uma agradável tosta de madeira". Está melhor. Mas "suave" parece "fraco" e ainda falta antagonismo.
Vamos lá, então: "Graco. Um vinho macio, mas intenso com notas de frutos negros em compota, especiarias, tabaco e uma agradável tosta de madeira". Está quase... agora falta descrever o final".
A terceira regra é: "dê um toque pessoal". Ora o que acabámos de fazer, foi tudo menos dar um toque pessoal. Foi descrever um vinho para todos aqueles que realmente percebem de vinhos, saibam do que estamos a falar quando falamos de Graco Tinto.
É aqui que os tempos de escola se mostram relevantes. Sempre que aprendemos que existe uma grande diferença entre a teoria e a prática. Assim é o vinho. No momento de saborear, pouco interessa o que dizem sobre ele. Interessa apenas o que os nossos cinco sentidos conseguem captar naquele preciso momento. E o que sentimos quando saboreamos o vinho tinto Graco, é um "tinto muito sedutor".

P.S_Achei interessante esta publicidade do Vinho Graco (http://www.graco.com.pt) realizada pela agência Y&R ( http://www.yr.com/).

2 comentários:

  1. Sensacional, brilhante, inovador, adorei! Li no jornal "i" de ontem. Não tem nada o ar típico de anúncio e o texto prende. Fico com vontade de provar... partilhei o teu post no meu facebook, porque queria mesmo partilhar o texto com mais gente. Obrigada!

    ResponderExcluir
  2. Muito obrigado Ana, por teres passado por aqui e teres deixado as tuas impressões, logo num texto que também me impressionou bastante, um tanto pela criatividade e ousadia do anúncio. Nos tempos que vivemos, do imediato, do instantâneo é muito coragem fazer uma propaganda assim e para anunciar um vinho. Mas enfim, cá estamos nós a discutir. Beijos e se quiseres me adicione ao facebook para continuarmos essa conversa.

    ResponderExcluir